10 anos atrás eu nasci de novo
a luz no fim do longo túnel dos relacionamentos abusivos. #5
*Oi, esse texto contém possíveis gatilhos sobre relacionamentos abusivos*
Primeiro, fui morrendo aos poucos com golpes sutis. Quase 4 anos de uma união estável com todas as instabilidades possíveis, iniciada quando eu tinha apenas 18 anos e ele uns bons anos a mais -como eles costumam ter, misturando vários elementos que sempre indicam um mau presságio. São muitos os tipos de golpes que você pode receber de outra pessoa, e os que me nocautearam em 2014 nunca encostaram o meu corpo físico. Mas doeram como se tivessem.
Raramente escrevo sobre isso, mesmo nos diários mais secretos, mas entramos em 2024 e faço questão de comemorar a década de renascimento. Amor não adoece, machuca ou mata, mas tem algo nessa coisa turva e desconfigurada que às vezes encontramos pelo caminho que pode ser confundida com amor. Existe um penhasco de distância entre o “você é perfeita” e o “você é louca e tem sorte de eu te aguentar”, porém a velocidade na qual descemos de um penhasco é sempre alta.
Eu não me apaixonei por uma figura assustadora, mas sim por um homem inteligente, muito bem articulado, engraçado, que parecia ser independente. Aceitei casar depois de um final de semana juntos, larguei faculdade, mudei de estado e não contei pra família, já que morava sozinha e não queria ninguém dizendo que minhas escolhas eram irresponsáveis ou erradas (eram ambas). Eu me achava tão adulta em 2010. Aliança no dedo com nome e data cravada, primeiro em São Paulo, depois no Rio Grande do Sul, ironicamente com uma vida inteira pela frente. Foram muitas garrafas de vinho, fingimentos de orgasmos, “você não é igual as outras”, “se eu te traí é porque não estava pronto pra conhecer a mulher da minha vida tão cedo”, socos na parede, promessas eternas, mentiras, “você tá vendo coisa onde não tem”, ansiolíticos, demonstrações de afeto, medos, “não vai embora, eu te escolhi pra ser a minha esposa”, viagens, crises de pânico, gatos, choro, “eu te amo”, “eu te odeio”.
Mas não quero entrar em longos detalhes, expôr ou revirar algo já tão cavado nas sessões de terapia, no colo das amigas ou na delegacia da mulher. Esse texto não é sobre ele e nem sobre mortes, é exatamente o contrário, é sobre o que vem depois. Em maio de 2014 eu criei uma coragem descomunal e me coloquei pra nascer de novo. Fugi daquela casa sem aviso ou pedido de permissão e me pari com 22 anos de idade na cidade de Porto Alegre. Deixei ego, roupa de cama, autoestima e um sofá parcelado em sei lá quantas vezes para trás.

Tive que, literalmente, aprender a respirar de novo, já que em muitas das noites ele dizia que minha respiração o incomodava e saía do quarto batendo as portas. Com o tempo, aprendi a trancar o ar antes de dormir, porém as reclamações persistiram. Só depois descobri que ele mudava de quarto para poder conversar com outras meninas, mas até lá eu realmente já não sabia mais como respirar. Felizmente, reaprendi. Hoje inspiro e expiro consciente da importância de todo o ar que adentra os pulmões. Consegui também fazer com que meus pés me guiassem para os lugares que sempre quis conhecer. Que a minha boca beijasse as bocas de quem me tratava bem. E aí um susto muito novo, o de ser bem tratada. Quantas vezes me peguei pensando “tá bom demais pra ser verdade” nos primeiros anos que seguiram o renascimento?
Não somos ensinados a construir bons relacionamentos, apesar de estarmos tentando o tempo todo. Quando adicionamos uma nova camada de complexidade no “como se relacionar após a violência ter virado a sua única referência afetiva?”, vemos o tamanho da carência que temos de espaços para dialogar sobre dor feminina (seja ela física ou emocional), equidade de prazer e noção de companheirismo. Lembro de duvidar, questionar e rejeitar o saudável, justamente por não entender o significado daquela existência. Acredito que o primeiro relacionamento bom depois de um muito ruim é uma das coisas mais difíceis de manter.
Com o tempo, a intuição volta a ficar aguçada, a sanidade encontra a cabeça e a paz o corpo. O tempo é mais bondoso do que julgamos e, cá estou, celebrando 10 anos de muito gozo real, de encontros, tropeços, desejos, lições e amores. Meu abraço muito apertado em qualquer pessoa que tenha passado por situações do tipo. Dói profundamente, eu sei. Mas, se posso dividir alguns conselhos, te digo agora:
Em qualquer momento de força ou lucidez, tente se afastar e ir para um lugar seguro. Olhar de longe pode trazer mais percepção e ajudar a quebrar o ciclo.
Por mais que a pessoa tente minar suas relações familiares e de amizade, tenha pessoas de confiança por perto e cientes da situação.
Você não está louca e nem é culpada pelas violências vividas.
O amor tranquilo existe e não é inatingível.
A vida depois de morte ainda pode ser boa.
P.S.: Meu ex não me deixava falar de sexo, “por não ser coisa de mulher direita", e veja aonde conseguimos chegar virando à esquerda das vontades, ein? *risos
Para ver:
Não teria outra dica que não essa. O maior retrato da violência sutil, do cárcere em gaiolas douradas, do apagamento de uma mulher. Priscilla me pegou não necessariamente pelo filme em si, mas pela história detalhadamente viva e real. Me vi ali e chorei. Vi muitas amigas ali e chorei mais um pouco. As camadas mais simples são o que constroem a grandiosa escada para o abismo que é viver esse tipo de relação. Percebemos, mais uma vez, como homens postos em pedestais são apenas caricaturas patéticas de si. Também vemos como sempre, sempre tem uma mulher pagando a pena da invisibilidade por isso.
Para testar:
É verão, estamos vivonas y vivendo em praias e lugares gostosos, e o lubrificante em sachê pra levar na bolsa vai ser o seu melhor amigo a partir de agora. Meu escolhido das férias foi o kit de sachês do Naked Taste, da Lubs, que é o item mais indispensável na vida de qualquer mulher moderna e bem amada por ela mesma, perfeito pra usar com qualquer toy, mãos e outros corpos. Meu cupom é CLARIANA10 e você pode usar em todos os produtos disponíveis aqui.
Categoria: Lubrificante “neutro” (pH ácido, porém neutro de sabor e cheiro)
Nota: 10/10
Para ler:
Falando em amores que não sufocam nem machucam, minha leitura de férias tá sendo o Descolonizando Afetos - Experimentações sobre outras formas de amar, da escritora e psicóloga indígena Geni Núñez, conhecida também pelas análises sobre relacionamentos e não monogamia no perfil @genipapos. Sou leitora de Geni já há tempos e, assim como muito de seus seguidores, estava ansiosa por esse livro, que aborda colonização, moral cristã, culpa, desejos, gênero e outros tópicos importantíssimos de se aprofundar.
Que 2024 seja muito bem vivido por nós!
Com amor,
Claris.
Que bom, que bom!!!! Quando começo a ler um relato de sobrevivência de relacionamento abusivo de uma mulher (porque homens nunca falaram disso), eu já fico esperando o golpe sexista.
Não veio! Foi um relato lindo, sincero, de pronome neutro! E eu, “pessoa” que já sofri isso tudo, me senti representado.
Eu sou homem, sofri quase ao suicidio, um relacionamento abusivo, e sobrevivi pra renascer, me reencontrar e escrever um livro sobre o assunto.
Obrigado!
a melhor notificação, 🤎.