a beleza de não ter o outro
e nem depender dele, apesar de escolher caminhar junto. #10
Eu não tenho ninguém. E esse não é um grito dramático em busca de consolo. Muitas pessoas me rodeiam junto do amor que sai delas e chega até mim. Mas, de fato, não tenho ou possuo ninguém, e nem quero. Quando normalizamos tratar as presenças mais importantes de nossas vidas como objetos? Meu companheiro querido e paciente jamais vai ser encarado como um celular que eu parcelei em 8 vezes nas Casas Bahia, sabe? Ele não é meu. Nem outras relações, amizades, familiares. “Be mine” impõem aquelas cartas de dia dos namorados no estrangeiro mas, no bom e velho português, “seja minha/meu” me parece tão bonito e saudável quanto ser melhor amigo do Bruno de Luca. Vocês percebem a armadilha, né?
Casais me procuram afoitos quando a libido já se encontra em coma há anos, me olhando com cara de “tem solução, Dra?” e, claro, cada caso é um caso, mas existe algo que quase sempre está presente numa relação atrofiada: a ideia de que dois se tornam um só. Isso é o que apaga completamente a linha invisível que delimita onde termina um indivíduo e começa o outro. Vivemos num momento onde as pessoas sequer desfrutam de encorajamento e disponibilidade pra seguir na busca pelo aprofundamento dos próprios desejos. É muito olhar pro espelho e pouco olhar pra dentro. Então, como optar por se anular pra caber? Como supor que amar é se transformar em esponja? Lamento e trago más notícias: em casos como esses, a chances de perdermos a paciente é alta.
Relação também é trabalho. Por mais que a frase soe capitalista demais, é trabalho porque requer intencionalidade e presença diária, não porque há uma promessa de recompensa. Eu escolho dar o que posso dar e o outro faz o mesmo. Mas isso não garante que teremos coisas iguais para oferecer.
Estamos no mês onde se comemora o Dia dos Namorados brasileiro, então fica aqui meu singelo presente para os amantes: uma pequena lista das frases que eu acredito serem as maiores inimigas da libido e do companheirismo:
Eu não sou nada sem você (é muito importante ter o cuidado de não transformar o outro no seu chão. Não só por não ter onde pisar se a pessoa escolher ir embora, mas porque a co-dependência pode ser bem mais apego do que amor).
Você é meu/minha (voltar ao primeiro parágrafo).
Preciso saber sua senha (se tem uma coisa muito importante na vida de cada indivíduo, essa coisa é a privacidade. Por que somos ensinados a nos importar mais com a maneira que a pessoa amada fala com os outros do que com nós mesmos? Essa vontade de invadir a privacidade vem de qual falta na relação? Do diálogo, confiança, presença?).
Você não pode ter amigos do sexo oposto (ter amigos é importante. É crucial, independente do gênero da amizade. E isso não só pra individualidade, mas também pra saúde de qualquer relacionamento. Imagina ser o único ponto de apoio, de escuta ou de vista de alguém? O peso uma hora se torna insustentável).
Você precisa gostar das mesmas coisas que eu (essa me deixa até nervosa. Claro, essa história de que “opostos se atraem” carece de um pouco mais de detalhes. Se atraem até certo ponto. É necessário que alguns ponteiros sejam ajustados. Que a bússola do caráter, de algumas visões de futuro e de afeto mirem sim em direções similares. Mas cada pessoa vai ter sua bagagem emocional, suas vivências, suas especificidades. Coisas muito irreparáveis e que formam exatamente o ser pelo qual você se apaixonou. Querer mudar isso pode dizer mais sobre si do que sobre o outro).
O vibrador ou eu (quem compete com ferramentas de prazer se derrota sozinho. Que fique bem compreensível essa parte. Quem não entende esse poder de aliança e a sorte que é poder ver o prazer se multiplicando com alguém que ama, precisa voltar algumas casinhas no jogo da vida).
Bom, a lista é bem mais longa que essa, mas já deu pra sentir o peso daí, correto? Infelizmente, frases assim estão inseridas de uma maneira tão profunda no inconsciente coletivo, que sequer as estranhamos quando ouvimos. Sequer reconhecemos que talvez seja essa repetição mecânica que leve tantos casais ao descompasso. É no desespero de se conectar por inteiro que mora a desconexão. As ciladas são tantas que nenhuma música do Molejo conseguiria te pegar pelos ombros e dar aquela sacudida necessária.
O perigo mora na aniquilação da individualidade, nos papéis de gênero que reforçam que homens deveriam focar no sucesso profissional enquanto mulheres devem trabalhar gratuitamente à exaustão pra manter a casa e a família em ordem, mora nos poucos reforços positivos que temos sobre o prazer e a anatomia feminina, nos roteiros sexuais limitados e sem nenhuma criatividade.
Outra coisa: mulheres foram ensinadas que sexo era dever. Homens foram ensinados que sexo era necessidade biológica. Nada se falou de prazer e diversão. Eu acredito que uma vida sexual pautada pela performance e falta de autossuficiência é uma vida sexual triste. Mesmo quando há frequência, mesmo quando há corpos esculturais, mesmo quando tem empenho. Sem prazer e presença, temos e somos pouco. E isso serve pra tudo na vida.
Por isso, meus queridos leitores dessa querida news, nesse mês dos namorados, desejo mais amor próprio do que amantes. Desejo que a gente não tenha o outro mas descubra o caminho pra ter um pouquinho mais de si. Por menos tentativas de reacender o fogo da paixão e mais vontade de ser, enquanto desfrutamos da beleza de ver o outro também sendo.
Para ver:
Provavelmente alguém já te avisou pra assistir Challengers, o novo filme do Luca Guadagnino, e eu venho aqui encarecidamente puxar o coro de: assista Challengers. Até agora, esse é o diretor que mais me toca. E em muitos sentidos, mesmo. O Luca é o que eu encaro como o famoso italiano safado, mas de uma maneira nem um pouco pejorativa. Seus filmes explodem de tensão sexual e sabem trabalhar como poucos os momentos de descoberta, desejo, impulso de vida. Com Challengers, ele completa a minha pequena tríade de filmes preferidos dos últimos tempos, que também conta com Call Me by Your Name e Bones and All.
Para testar em conjunto:
Eu sou uma grande fã dos vibradores com controle remoto. É fácil, divertido, intrigante. Aí que a Dona Coelha, uma sex shop virtual maravilhosa e criada por um casal que me faz acreditar muito no amor, me presenteou com esse modelo que virou um dos meus preferidos. Só assistir aqui o vídeo abaixo pra ver como funciona e clicar aqui pra comprar com o cupom CLARIS10, que ficará válido por todo o mês de junho.
Para ficar de olho:
Não é de hoje que estamos passando por tempos sombrios no que tange o direito das mulheres. Parece que o crime vai ser sempre esse, ser mulher. Mas, esse mês fomos agredidas com a existência do PL 1904/24. Caso esse horror seja aprovado, o aborto realizado após 22 semanas de gestação será considerado crime de homicídio, com penas que podem chegar a 20 anos de prisão. Olha o absurdo, isso significa que, mesmo se a mulher tiver sofrido um abuso e um atraso na retirada do embrião, seu abusador teria uma pena menor. Hoje, a legislação permite o aborto em casos de estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia fetal, coisa que é o mínimo do mínimo.
O retrocesso é tão imenso que eu nem saberia por onde começar. Por mais que a votação do projeto tenha sido anulada, não podemos baixar a guarda nas próximas semanas (ou nunca, pelo que aparenta).
Com amor e atenção,
Claris.
perfeiçao
leitura obrigatória pra quem quer um relacionamento saudável!