Eu nunca soube amar pouco, mas também não me ensinaram a amar mais ou melhor. Começo a news de fevereiro, parida aos 45 minutos do último tempo nesse dia 29 que sequer existe em outros anos, pra falar principalmente de desejo. Fevereiro, mês nacionalmente conhecido por carregar o tesão, a fantasia e a amaciada na carne de quem trabalha mais do que deveria nos outros meses. Uma quase despedida de verão pela qual eu nutro um carinho especialíssimo. Gosto de ver os corpos livres, abertos ao gozo, sedentos por frenesi ou descanso total. Essa foi mais uma vez em que jurei de dedinho que esse-ano-não-pulo-carnaval e, cá estou, ainda me recuperando do Maceta Vírus™, após percorrer verdadeiras maratonas sob o sol escaldante do Rio de Janeiro perguntando em plenos pulmões se eu falei faraó.
Mas, como já disse, não vim falar de carnaval, vim falar de desejo. E elaborar melhor uma pergunta que me rondou semanas atrás no instagram e que até agora tem reverberado por aqui:
Como aprendeu a viver a não monogamia?
Confesso que dei uma risada sincera ao ler a pergunta. Não por achá-la leviana ou equivocada, de forma alguma, mas por realmente não ter aprendido. Por mais que tenha respondido de forma breve na rede social, gostaria de adentrar de maneira mais profunda nesse espaço.
Quando penso na minha construção de relacionamento, me vem primeiramente os modelos e histórias reforçadas na infância. A maneira insistente que o VHS da Branca de Neve ou da Cinderela era colocado naquele aparelho pelos adultos. “Duas otárias” eu pensava, mas em algum momento da adolescência acabei comprando essa narrativa vendida. Aprendi que precisava de um príncipe pra ter um “final feliz” (até hoje não sei o que isso significa) e fui à procura. Dentro desse pesadelo heteronormativo, patriarcal e monogâmico, percebi que todos os pretendentes destoavam muito dos rapazes montados em cavalos brancos que andavam pela tv de tubo. Ao mesmo tempo, queria explorar mais. Havia a curiosidade da juventude que, em certas doses, pode fazer bem em qualquer idade. Queria testar diferentes possibilidades de reinados e expandir terrenos, entende?
Ao contrário do que a Revista Capricho me dizia, não achava que ciúmes ou implicância eram sinais de amor. Ao contrário do que passava na novela, não acreditava que uma terceira (ou quarta ou quinta) pessoa que aparecia tinha que automaticamente ser a vilã da minha história com outre. Ao contrário do que a pobre coitada da Cinderela viveu, não fui convencida pela “solução” de trocar a prisão do porão pela prisão do castelo. E, por fim, que alívio foi começar a nadar contra a corrente de pensamento que deixa as pessoas acreditarem que só as relações sexuais são importantes ou indispensáveis na vida.
Ainda sim, me diminuí pra caber nesse modelo imposto, por mais que em todas as vezes sentisse que estava matando uma parte muito importante do meu ser. Apenas murchava e não via sentido, e nunca, em nenhum momento, foi sobre “poder pegar outras pessoas” ou parecer ser mais evoluída. Sempre foi sobre honestidade, com os meus desejos e os dos outros. A palavra parceria não se encaixava nos joguinhos, desconfianças e limitações necessárias pra trilhar esse caminho do que seria “o certo”.
Das grandes pérolas que o finado (metaforicamente -acredito eu) ex da news anterior já me disse, uma que marcou foi após eu descobrir algumas traições, onde sugeri que a gente pudesse conversar e construir aberturas, porque o que me incomodava não era ele se relacionar com outras pessoas, mas sim as mentiras e negações que faziam eu questionar a minha própria sanidade. Sua resposta tragicômica foi “Eu não sou moleque de esquerda pra ter relacionamento aberto (sic). Você é a minha mulher!” e, como um bom homem de bem, preferiu seguir traindo e me privando de viver, do que construindo uma parceria real e horizontal.
Quem dera esse fosse um caso isolado (como vocês podem perceber acima). Esse papo torto é mais comum do que a gente imagina, e ainda tem gente que acha que não monogamia “é desculpa pra homem sair pegando todo mundo”, como se isso já não fosse algo socialmente permitido e até incentivado ao gênero, erroneamente visto como o mais sexual por natureza (repito, erroneamente). Quem é ensinado a se culpar e se limitar diante dos desejos? Quem realmente paga as penas do crime (risos nervosíssimos) de adultério, seja socialmente ou através de feminicídio?
Foi só após essa pororoca de chorume emocional que decidi que não tinha mais como continuar repetindo padrões falidos e me frustrando depois. Comecei, sem nenhum modelo ou guia, a adentrar no que chamam de não monogamia. Reforço que não aprendi, porque ainda sigo aprendendo, e de maneiras totalmente instintivas, por mais que hoje exista mais informações e discussões sobre o tema. De lá pra cá, já vivi muita harmonia e felicidade dentro do poliamor, com conjunções relacionais até difíceis de explicar pra vocês, mas simples e fluídas demais de serem vividas. Teve também momentos de celibato voluntário, trisais, morar junto, descentralização da ideia de casal como relação primária na vida, vacilos, tentativas, erros, acertos, términos felizes e outros tristes, ficar só com uma pessoa por muito tempo e muitas outras variações. Mas nunca mais tive que amar pouco pra caber. Nunca mais converti meu amor em fatia de bolo, que acaba se compartilho. Na minha matemática de vida, é dividindo que se multiplica mesmo, por mais cafona que isso soe.
Um brinde aos cafonas que amam demais!
Para ver:
A premiação do Oscar está chegando e eu poderia trazer uma lista grande dos filmes que me tocaram nos últimos dias (eita ano bom pro cinema, hein?), porém vou indicar uma peça que tem mais a ver com o tema da newsletter: King Kong Fran. Protagonizada, escrita e produzida por Rafaela Azevedo, a obra te bota pra rir enquanto chacoalha todo o seu ser. E é isso. Não vou entregar mais detalhes, porque não estragar a experiência. Se a peça estrear na sua cidade, apenas vá (no momento, as apresentações estão acontecendo aqui no Rio de Janeiro).
Para testar:
Já que estamos em fevereiro, venho aqui indicar a marca de um grande amigo que dá nome ao mês. A Fevereiro.co é um laboratório sensorial e “nasce da vontade de saudar, reproduzir, perpetuar e jamais esquecer dos prazeres inerentes ao verão em um mundo que insiste em nos afastar da simplicidade”. Eu sou completamente apaixonada por todas as criações, principalmente pelo Óleo Sol, que é hidratante e mantém o bronzeado do verão o ano todo. Meu cupom no site é CLARIANA10
Categoria: Óleo Corporal
Nota: 1000/10 (cheiro, textura, efeito na pele, tudo perfeito)
Para ler:
Mês passado indiquei o Descolonizando Afetos, de Geni Nuñez, que eu espero de coração que você leia, porque é um livro precioso e teve um impacto significativo na escrita de hoje. Seguindo as leituras sobre outras formas de amar, minha recomendação de agora é o livro The Ethical Slut, quem tem sua versão em português chamada de A Ética do Amor Livre (gostaria de uma tradução mais literal nesse título, mas tudo bem). Esse é um livro que foi lançado em 1997, portanto hoje conta com novas edições mais atualizadas. Aborda sexualidade positiva, limites, segurança, criação de filhos dentro de outros modelos relacionais, ciúmes, conflitos, prazer e, claro, ética. Li já tem uns bons anos (e já estou pronta pra reler) e nunca tinha me sentido tão acolhida por um livro até então. Espero que vocês também.
Palavra do dia:
Compersão. Como é bom descobrir que um sentimento muito profundo interno tem nome, né? Vivi isso com a palavra compersão, que significa se sentir feliz por ver seus afetos amando outras pessoas de maneira feliz também.
Com amor (bem solto, de preferência),
Claris.
abri aqui pra compartilhar com uma amiga uma outra edição e vi essa aqui que ainda não tinha lido. terminei com aquela sensação de que os textos encontram a gente quando menos esperamos ne?
nessas últimas semanas tenho tentado buscar palavras pra justamente falar sobre como tem sido esse reaprendizado de descentralização desses relacionamentos todos, de estar ali em um término de amizade atravessado por uma frustração com um cara e como eu via que minha cabeça queria dar mais atenção pra esse cara por puro costume, não necessariamente pela importância toda. é muito louca essa construção toda e como na menor distração a gente volta pra esse lugar das princesas haha