Escrevo esse texto chorando após uma sessão de terapia. O tema: ser mulher. É março e eu criei uma espécie de ojeriza pelo dia 8, data tão importante em outros tempos, mas que hoje parece ser apenas uma mistura triste de gifs mal diagramados nos grupos do whatsapp, com tempestades de textões nas redes sociais.
Pois bem, comecei o mês chorando todas as pitangas possíveis na sessão semanal que faço com a minha psicóloga. É o quinto ano seguido que a Nath (nos chamamos pelos nossos apelidos e eu gosto bastante dessa informalidade) me escuta reclamar dos problemas de gênero e do quanto ser educadora sexual não me apazigua em nada nesse sentido, pelo contrário, só me deixa com mais raiva. O motivo? É muito difícil ver mulheres tendo acessos negados à informações básicas sobre o próprio corpo ou sequer podendo usufruir da potência que carregam nele, de perceber todas as culpas que não são delas mas que as rondam mesmo assim e, principalmente, de ver o rastro de estrago infinito causado pelos diversos tipos de violências sexuais. Todos os dias. Incansavelmente.
Falei “Nath, se eu pudesse, seria homem. Se chegasse um gênio da lâmpada agora, só ia pedir pra ser um homem bem mediano. Eu acho um porre ser mulher.” Na verdade, percebo agora o aumento da frequência de frases do tipo saindo da minha boca. E o processo de autoanálise também me fez perceber que, de uma maneira ou outra, fui atrás de ser menos mulherzinha desde muito cedo.
Depois de uma infância inteira sendo montada que nem Barbie pela minha mãe, a tempestade hormonal da adolescência chegou e com ela a compra de discursos fracos como: “Eu não quero ser que nem as outras garotas”. Recusei tudo o que era tido como feminino e fui atrás de futebol, lutas, Bukowski, Hemingway, Hunter Thompson, Rogério Skylab, Judd Apatow, Seinfeld, os caras legais do Monty Python e Saturday Night Live. Aprendi a fumar charuto e bebia bourbon puro como ninguém. Compadeci mais pela morte de Leonard Cohen, Bowie e Anthony Bourdain do que por qualquer outra mulher famosa. Gritei mais em final de libertadores com o flamengo em campo do que em outros momentos mais significativos da vida. Só as deusas sabem o quanto tentei ver graça nas piadas misóginas do Loiue CK ou David Chapelle, tudo isso pra ser fluente naquela língua falada dentro de cada mojo-dojo-casa-house de amigos ou paqueras que encontrava pelo caminho. Me senti pertencente algumas vezes, não vou mentir, mas me perdi não só dos meus gostos genuínos enquanto mulher, mas também enquanto uma mulher brasileira e nordestina.
Essa fala da Meryl Streep (infelizmente sem legenda em português, foi mal) resume praticamente tudo -o final mais ainda-, você não domina uma língua até começar a sonhar falando ela. Muitos podem pensar que é pura falta de personalidade, porém consigo ver mais como um modo de sobrevivência. Não que eu acredite em “coisa de menino e coisa de menina”, mas a vontade de sentar pra conversar sobre coisas engraçadas, arte, cinema, trabalho e outras amenidades era tão grande, que eu não queria estragar isso com aquilo que só ouvia quando encontrava outras mulheres: cansaço das jornadas duplas, abusos, traumas de relacionamentos, dores e muitas feridas ainda abertas. “À custa de quem os homens conseguem a liberdade de se alienar? À custa do que?” Me pergunta Nath. Pois é. Nessa hora eu fui pro chão. Os homens podem rir e relaxar tranquilos em cima dos problemas que eles mesmos nos causam.
Hoje sinto que preciso urgentemente fazer a pazes com o feminino. E isso não é nem de longe se envolver com sagrado sei-lá-das-quantas ou criar uma obsessão por úteros. É sobre estar com as minhas amigas e não endurecer diante da realidade, é sobre me cercar de mulheres, costurar essa rede firme, de rir com elas, consumir seus trabalhos, chorar, ler, ouvir, assistir, ter encantamento, admiração e até se apaixonar profundamente. É também sobre tentar quebrar o ciclo da dor e trazer os respiros que couberem, a arte que resistir, a poesia que a gente sabe tecer no mundo. E, com a certeza que grita em mim, é não desistir nunca de ensinar sobre prazer, orgasmos, vibradores, equidade sexual e consentimento, apesar da raiva ou da dor. Por nós e pra nós.
Mulheres para conhecer:
Peço uma licença pra falar de duas estadunidenses, apesar de querer falar sobre mulheres daqui depois, só porque elas são realmente do tamanho do mundo e mudaram pra sempre a forma como tratamos a sexualidade feminina.
Betty Dodson:
Essa mulher não descansou até que a mensagem do orgasmo chegasse alto e claro pra muitas. Betty, que no final dos anos 60 começou a dar workshops clandestinos ensinando mulheres a se masturbarem, seguiu até seus 91 anos usando vibradores como instrumentos de revolução e a voz como arma de luta contra o conservadorismo e opressão sexual. Ela é e segue sendo minha maior inspiração na área da educação sexual e na construção de um mundo possível pra nós. Rest in pleasure, Betty.
Joycelyn Elders:
Chega a ser engraçado ver essa mulher maravilhosa sendo chamada de “controversa” por falar de maneira tão responsável sobre a importância da educação sexual. Em 1994 a cirurgiã geral Joycelyn Elders foi demitida pelo próprio presidente da época, Bill Clinton, do cargo de diretora do departamento de saúde do Arkansas após falar da importância da masturbação como alternativa de sexo seguro durante o simpósio de conscientização sobre HIV na ONU. Mas a demissão injusta causou uma onda de discussão no país (eua) e, a partir disso, foi criado o mês da masturbação (ou maysturbation), onde conversamos de maneira ainda mais informativa e atenta sobre o tema. Obrigada por tudo até hoje, Dra.
Mulheres para ler aqui:
: Eu poderia ler a Beatriz sem parar. Mesmo. Seu olhar é sempre de expansão. Mas ela expande sem invadir. Seja no Rio de Janeiro, em São Paulo, Paris ou qualquer outro lugar do planeta, como é bom saber o que se passa no interno e no externo de Bia. Você descobre e contempla o mundo junto dela. E isso é muita coisa. : Aí que um dia eu tava tristinha e Beatriz (sim, a mesma da dica acima) me mandou um texto da Marie sobre calvice masculina pra ver se me animava. Funcionou. Funcionou demais. Ri de cuspir água na tela do computador e até agora não me lembro mais do motivo inicial que tinha me deixado pra baixo.Mulheres para seguir no Instagram:
Erika Hilton (@hilton_erika): A maior do Brasil! Meu sonho é trabalhar com essa mulher e vê-la sendo a presidente que a gente finalmente vai fazer as mudanças que precisamos. Não toleraremos menos que isso.
Mica Charlone (@comida.sem.regra): É assim: você começa a ver um vídeo achando que é só mais uma receita bonita e legal de tentar replicar, mas termina chorando copiosamente com as reflexões que a Mica traz enquanto faz o prato. Olha isso:
A comunidade de Oficinas Catarina Mina (@oficinas_catarinamina): Esse é um perfil coletivo que fortalece as mulheres que estão na linha de frente do artesanato produzido no meu estado, o Ceará. Tem histórias e amizades lindas ali que senti que vocês gostariam de conhecer.
Às mulheres que eu amo e às mulheres que eu ainda tô aprendendo a amar.
Ouvir outras experiências femininas é tão essencial como respirar. Obrigada por compartilhar.
Não me lembro como cheguei até você, acho que de "cliques em cliques" no Instagram. Me sinto super representada em vários dos seus textos. Tenho ficado nesse estado também, nessa mistura de sentimentos de esperança, indignação, estafa, culpa, etc... não sei se a mensagem chegou certinha aqui. Fiquei pensando se curtir um tempo com esses coisas leves que homens sempre fizeram pra relaxar, não seria um indicador de alguma quebra de paradigma. O contraditório seria ter que arranjar um tempinho pra essa esponteneidade...! Bjs, obrigada pelo trabalho!