Voltei, mas não após o fim de um bloqueio criativo, e sim enquanto ele ainda reverbera e paralisa a minha escrita de alguma forma. Esta newsletter, que é mensal, ganhou uma espécie de repouso abrupto no mês de setembro e chega apenas agora na última semana de outubro. O motivo? Eu não sabia o que dizer. Pela primeira vez, em muitos anos publicando mensalmente, seja aqui ou nas revistas onde fui colunista, me permiti apenas esperar passar e ver até onde ia a inabilidade de encontrar as palavras. Houveram algumas tentativas, claro, não nego que o rascunho do substack nesse momento esteja cheio de possíveis edições futuras, mas ainda nada que tenha me emocionado o suficiente para seguir o aprofundamento.
O que me pegou com força pelos os ombros e me chacoalhou recentemente foi: por que devemos opinar sobre tudo o tempo todo, mesmo quando não temos as ferramentas narrativas disponíveis para isso? Eu trabalho com internet desde 2011, antes mesmo de trabalhar com educação sexual, e hoje me sinto completamente soterrada pela avalanche de “informações” e opiniões cuspidas aos quatro ventos digitais. Isso me fez olhar para o tempo offline com devoção, como um item raríssimo disposto num museu. A frase da música que diz “ai que vontade de tacar meu celular na parede” virou algo muito próximo de um mantra. E a vontade de fugir para montanhas livres de wifi uma urgência. Nisso, como era de se esperar, a obrigação de criar constantemente matou o prazer da criação. Talvez a gente precise desproduzir conteúdo, desopinar um pouco mais. Bom, pelo menos da minha parte essa necessidade se mostrou latente.
Não que eu tenha paralisado por completo, longe disso, ainda não posso me dar esse luxo. Tenho o privilégio de me divertir fazendo vídeos educativos (ou não) pontuais, tenho construído com sorriso no rosto novos projetos importantes, comecei um podcast com outras amigas especialistas em sexualidade e estreamos no dia 31 desse mês, a libido segue tentando estar vivona e vivendo mesmo com tantos ruídos e afazeres, porém, todo exagero é um desequilíbrio, e é exatamente nesse lugar que as redes sociais e seus algoritmos querem nos ver. 1 cadeirada gera 3.500 memes. 1 cancelamento gera 78.000 tribunais online. 1 descoberta de traição vindo de qualquer casal famoso, bota aí uma média de 500 textões ou reels de análise por minuto. 1 acontecimento precisa de todos os pov (point of view) do mundo para ser considerado histórico. A sobrecarga mental e emocional de tudo isso é inegável.
Quem aqui também não precisou criar mecanismos para não se perder no celular logo nos primeiros minutos em que acorda? Ou nos últimos minutos antes de dormir? Essa esquete do Saturday Night Live representa bem a minha angústia de viver enquanto trabalho e “descanso” dentro da internet (e olha que eu nem tenho o aplicativo do tiktok baixado):
Não saber o que dizer e reconhecer isso pode ser uma dádiva, mesmo aqui na newsletter, onde o ritmo é infinitamente mais gentil do que em outros lugares. Então, me despeço desse pequeno texto apenas para agradecer pela paciência dos queridos leitores que, por sinal, já somam mais de 2.300 inscritos! Nossa, é gente pra caramba que escolheu estar aqui, sabe? Obrigada, de verdade. E também venho de maneira bem singela contar que esse espaço de escrita fez, agora em setembro, 1 ano. Isso me deixa verdadeiramente feliz, mesmo quando as palavras me fogem.
Como presente, listo aqui meus quatro textos preferidos de 2024 até agora:
Para assistir:
Sim, o filme The Substance é tudo isso que estão falando. Confesso que demorei um certo tempo pra criar coragem de ver. Meu medo era que fosse mais um terror que me tiraria o sono, mas o choque e o horror se deu de outra forma no meu corpo. Por falar nisso, são muitas as formas que o filme se adentra no nosso corpo, porque ele nos conta, através de exageros contrapostos com realidades duras demais de engolir, sobre como é envelhecer nele. Assusta, reverbera e impressiona. Talvez não seja pra todo mundo, mas, se puder, veja.
Para testar:
Se você tem me acompanhado no Instagram nos últimos tempos, provavelmente se deparou com minha empolgação com o Shibari, essa que é uma técnica de amarração criada no Japão feudal por samurais e segue hoje como uma forma de arte e parte do BDSM. Após fazer um workshop com a minha amiga e professora Sansa, me senti na obrigação de indicar aqui as melhores cordas para a prática, disponíveis aqui na Rope Store. Importante também fazer as aulas antes de qualquer coisa, viu? Porque a história do Shibari é extremamente rica e complexa, e ir para a ação requer muito estudo e cuidado.
Olha isso e me diz se não é arte na mais pura forma:
Por fim, vou me contradizer um pouco e fazer um pedido: tem algo que eu ainda não disse por aqui e você gostaria de me ler discorrendo sobre? Me conta aqui:
Com coração cheio e poucas palavras,
Claris.
Desproduzir conteúdo, achei isso fantástico! Costumo dizer que um dia o único escape das pessoas será o mundo real.
"Nisso, como era de se esperar, a obrigação de criar constantemente matou o prazer da criação". A sina atual das gatinhas, </3.